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Biografia de Fado de Coimbra

A música tradicional de Coimbra não se esgota naquilo que se designa de "Fado de Coimbra". As danças e os Cantares populares, assim como todo um conjunto de representações etno-musicais em tomo das fogueiras de S. João, bem como, as canções de trabalho, os cânticos de embalar, as cantigas de amar e as serenatas, constituem um repertório ímpar na vivência espaço-temporal da música tradicional da cidade, que nada tem a ver com o universo fadístico.

Muito ligado às tradições acadêmicas da respectiva Universidade, o fado de Coimbra é exclusivamente cantado por homens e tanto os cantores como os músicos usam o traje acadêmico: calças e batina pretas, cobertas por capa de fazenda de lã igualmente preta.

Canta-se à noite, quase às escuras, em praças ou ruas da cidade. Os locais mais típicos são as escadarias do Mosteiro de Santa Cruz e da Sé Velha.

Também é tradicional organizar serenatas, em que se canta junto à janela da casa da dama que se pretende conquistar.

O fado de Coimbra é acompanhado igualmente por uma guitarra portuguesa e uma guitarra clássica (também aqui chamada "viola").

No entanto, a afinação e a sonoridade da guitarra portuguesa são, em Coimbra, diferentes das do fado de Lisboa na medida em que as cordas são afinadas um tom abaixo, e a técnica de execução é diferente por forma a projectar o som do instrumento nos espaços exteriores, que são o palco privilegiado deste Fado.

Também a guitarra clássica se deve afinar um tom abaixo. Esta afinação pretende transmitir à música uma sonoridade mais soturna, relativamente ao Fado de Lisboa.

Temas mais glosados: os amores estudantis, o amor pela cidade, e outros temas relacionados com a condição humana. Dos cantores ditos "clássicos", destaques para Augusto Hilário, António Menano, Edmundo Bettencourt.

No entanto, nos anos 1950 do Século XX iniciou-se um movimento que levou os novos cantores de Coimbra a adoptar a balada e o folclore. Começaram igualmente a cantar grandes poetas, clássicos e contemporâneos, como forma de resistência à ditadura de Salazar.

Neste movimento destacaram-se nomes como Adriano Correia de Oliveira e José Afonso (Zeca Afonso), que tiveram um papel preponderante na autêntica revolução operada desde então na Música Popular Portuguesa.

No que respeita à guitarra portuguesa, Artur Paredes revolucionou a afinação e a forma de acompanhamento do fado de Coimbra, associando o seu nome aos cantores mais progressistas e inovadores. (Artur Paredes foi pai de Carlos Paredes, que o seguiu e que ampliou de tal forma a versatilidade da guitarra portuguesa que a tornou um instrumento conhecido em todo o mundo.)

Fado Hilário, Do Choupal até à Lapa, Balada da Despedida do 6º Ano Médico de 1958 ("Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida", os primeiros versos, são mais conhecidos do que o título), O meu menino é d’oiro, Samaritana – são alguns dos mais conhecidos fados de Coimbra.

Curiosamente, não é um fado de Coimbra, mas uma canção, o mais conhecido tema falando daquela cidade: Coimbra é uma lição, que teve um êxito assinalável em todo o mundo com títulos como Avril au Portugal ou April in Portugal.

A Canção de Coimbra é um gênero musical amador, enraizado num folclore urbano (o da própria cidade), cantado por estudantes e antigos estudantes (filão acadêmico) e pelo povo da cidade (filão popular), e que entronca na Música Tradicional de Coimbra.

Os estudantes estão nesta cidade desde tempos anteriores à criação da Universidade, pois antes do Estudo-Geral, Coimbra já era uma terra de estudantes.

De fato, por volta de 1064, o Bispo Paterno criou, nesta cidade, uma Escola Episcopal destinada à formação dos clérigos, todavia, a boa qualidade do ensino lecionado levou a que essa Escola fosse também frequentada por não-religiosos e, assim, com uma escola aberta à população, acorreram a Coimbra, a partir do século XI-XII, alguns jovens, filhos de uma burguesia emergente e, particularmente, ligados à Nobreza.

É óbvio que, onde quer que haja jovens, há-de haver quem cante, hão-de ter a sua expressão musical própria, sujeitando-se, também, às influências musicais mais díspares possíveis.

Assim, um repertório de canções interpretadas pelos cultores populares serviu de base à identificação de uma música regional e local – a Música Tradicional de Coimbra.

Em consequência da coexistência musical entre populares e acadêmicos, a Universidade de Coimbra, fundada nos finais do século XIII e definitivamente instalada nesta cidade, desde 1537, acabou por ser um dos poucos Estudos-Gerais oriundos da época medieval que viu o seu corpo discente desenvolver o filão acadêmico de uma Canção fortemente influenciada pela Música Tradicional da cidade – a Canção de Coimbra –, sendo, no mundo, uma das raras universidades possuidoras de uma Canção própria.

Sabe-se, aliás, que pelo menos desde o século XVI, era hábito os estudantes de Coimbra cantarem e tocarem noite dentro, pelas ruas da cidade. Prova factual é a missiva que o rei D. João III enviou ao então magnífico reitor da Universidade – D. Agostinho Ribeiro, em 20 de Junho de 1539, dando conta da necessidade e da urgência em se pôr cobro às algazarras e às cantorias que os estudantes faziam até altas horas da noite, já que eram muitas as queixas dos moradores da velha urbe.

Assim, ao longo dos séculos, fruto da sociabilidade urbana própria de uma cidade com universidade, a população e os estudantes souberam dar corpo musical a um género tão específico como é a Canção de Coimbra.

O trabalho discográfico que nos é proposto por aqueles que, fazendo parte do Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, são também cultores e executantes desta Canção, é uma pequena amostra do que tem sido a Canção de Coimbra ao longo dos últimos 114 anos.