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Biografia de Antônio Nássara

O carioca Antonio Nássara (1909-1996) teve três paixões: a mulher, Iracema, a música popular e a caricatura. Viveu 44 anos com Iracema, não teve filhos nem arrependimentos por causa disso. Tornou-se um dos autores de sambas e marchas carnavalescas de sucesso da época de ouro. Seu maior sucesso foi “Alá-lá-ô”, em parceria com Haroldo Lobo, a marcha que começou a ser cantada no Carnaval de 1941 – e continua até hoje. Finalmente, fundou uma escola da caricatura baseada não nos traços físicos, mas na “essência” do modelo.

Antonio Nássara em 1929 e a autocaricatura (sem data), com o lema “Só dói quando eu fico sério”

Com a última paixão, ele trabalhou em jornais cariocas de 1927 até morrer. Como artista, foi glorificado em duas biografias: Nássara desenhista (1985), de Cássio Loredano, Nássara, o perfeito fazedor de artes (1999), de Isabel Lustosa. Faltava uma biografia que relacionasse o desenhista ao homem e ao músico. Nássara passado a limpo (José Olympio, 252 páginas, R$ 35), de Carlos Didier, junta os três aspectos. O resultado é que a figura de Nássara surge inteira – ou quase, na medida do possível no gênero biográfico.

“Não é uma biografia tradicional”, diz Didier, autor de dois clássicos, as biografias de Noel Rosa, de 1990, com João Máximo, e de Orestes Barbosa, de 2005. “Desta vez não brinquei de Deus. Usei as 20 entrevistas com Nássara, que era meu vizinho, em Laranjeiras, para criar uma coleção de crônicas da vida boêmia carioca.”

Didier diz que Nássara lhe entregou a vida pronta. “Nunca me disse, mas acho que queria que eu escrevesse sobre ele. Era um sujeito sutil.” Conheceram-se em 1980. Nássara o chamava para conversar, contando curiosidades e aspectos ignorados da cultura dos anos 20 aos 50.

Nássara começou no rádio em 1932, como locutor do Programa Casé na rádio Philips. Lá, criou o primeiro jingle nacional, o da padaria Bragança. Tentou virar cantor, com o codinome de Luiz Antônio. Enquanto fazia caricaturas no jornal, frequentava os cabarés da Lapa, as rodas de samba com Chico Viola e Noel Rosa – que sonhava em ser caricaturista. Passou a compor sambas e marchas ao lado dos bambambãs do tempo. Como compositor, usava o método dos cartunistas: assim como estes partiam de uma fotografia para distorcê-la, ele se baseava em uma melodia erudita para convertê-la em canção. Em 1934, transformou a ária de opereta “Rose Marie” na marchinha “Maria Rosa”. Em 1941, a “Valsa dos patinadores” virou o sucesso “Nós queremos uma valsa”.

Didier diz que o desenhista foi superior ao músico. Ao compor canções, não passava de um caricaturista tradicional. Mas inovou no desenho, pois “mentalizava” a pessoa antes de captá-la em traços essenciais. Chegou a adivinhar o futuro do modelo: desenhou Almirante (1908-1980) radialista e líder do Bando de Tangarás, com olhos maldosos de águia, anos antes de se tornarem inimigos.

“Nássara foi o autêntico boêmio”, afirma Didier. “Elegante, ensimesmado e transgressivo, ao mesmo tempo rígido em valores como retidão e amizade. Foi um observador agudo do que viveu – e tratou de sintetizar com precisão em samba, traço e frases.” Nássara apresentou uma versão de si próprio. Retratou-se sorridente, com um faca na cabeça – e a legenda que pode sintetizar seu legado: “Só dói quando eu fico sério”.