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Biografia de Fênix

Fênix descende da nobre linhagem de intérpretes de voz andrógina que chamou a atenção do Brasil em 1973 com a explosão de Ney Matogrosso.

Dinastia que já gerou talentos como Edson Cordeiro, nem sempre reverenciados na medida de suas aptidões vocais.

Rótulos e pré-conceitos à parte, basta uma audição atenta de Vaca Profana – o tema cosmopolita de Caetano Veloso projetado em 1984 no canto cristalino de Gal Costa – para comprovar o brilho da voz de Fênix, lâmina afiada na abordagem pop roqueira da música do antenado baiano.

Eu, Causa e Efeito
“Já sou capaz de cantar as minhas verdades”, sentenciou Fênix em verso de Zapping, música autoral de seu primeiro CD, Eu, Causa e Efeito, editado em 2001.

Não por acaso, tal tema é rebobinado pelo artista em seu primeiro disco ao vivo, captado em show realizado em 18 de novembro de 2008 no Teatro Baden Powell, no Rio de Janeiro (RJ), com as participações especialíssimas de Silvia Machete e Zé Ramalho.

Ciranda do Mundo
Neste Fênix Ciranda do Mundo ao Vivo, há um resumo das verdades cantadas pelo intérprete numa coerente carreira fonográfica que rendeu em 2004 um segundo disco, Marfim.

Vocacionado para os palcos, Fênix traduz neste álbum ao vivo a postura teatral que arrebatou público e crítica em 1996, ano em que este pernambucano, então já radicado no Rio de Janeiro, despontou como integrante e destaque do elenco do musical Os Quatro Carreirinhas, encenado pelo diretor Wolf Maya e ora revivido nos palcos – com a adesão de Fênix – como a indicar que este disco ao vivo representa o fim de um ciclo ao mesmo tempo em que abre caminho para um futuro de cheio de possibilidades artísticas.

Caminho sem fronteiras geográficas e estéticas. Não por acaso também, o show que originou o disco se chama Ciranda do Mundo, pegando emprestado o nome da música de Edu Krieger que figura no repertório multifacetado.

Cidadão desse mundo cada vez mais global e cosmopolita, Fênix irmana no roteiro temas da própria lavra com músicas de Ary Barroso (1904 – 1963), Beto Guedes, Byafra, Caetano Veloso, Lula Queiroga e Marisa Monte.

Uma verdadeira Feira Moderna, contemporânea como a leitura pop, cheia de pegada, do homônimo sucesso de Beto Guedes. Não há esquinas nem clubes a delimitar os caminhos de Fênix.

Mixado (por Renato Alscher, no estúdio carioca Corredor 5) e masterizado (por Carlos Freitas, no paulista Classic Máster) na pressão, com produção assinada por Fênix em parceria com o violonista João Gaspar (autor de todos os vigorosos arranjos), o CD Fênix Ciranda do Mundo ao Vivo mantém o pique ao longo de suas 15 faixas.

Pique miscigenado. Não por acaso, World presta tributo na sua batida à imensurável contribuição da música negra na ciranda de sons do mundo.

Contudo, já disse o poeta, se queres ser universal, cantes o teu quintal. O amplo quintal musical de Fênix abriga as frondosas árvores da música nordestina com suas múltiplas ramificações.

E é por isso que esse pernambucano arde arretado no Forró dos Infernos S/A, da lavra de Lula Queiroga, compositor recorrente no repertório finalizado com Essa Alegria, o tema vivaz de Queiroga que abriu e inspirou o título do álbum lançado por Elba Ramalho em 1982.

Diretor artístico do disco, Fênix revê o passado de olho no futuro.

É com olhar contemporâneo que, ainda no vasto quintal nordestino, Fênix encara suas origens ao rebobinar Nhem Nhem Nhem, o tema do cabra Totonho que ele já havia gravado no álbum Marfim.

Na seqüência, novamente cidadão do mundo, aborda num mix de tango e rock No Rancho Fundo (1931), a melancólica e bissexta parceria de Ary Barroso (1903 – 1964) com Lamartine Babo (1904 – 1963), originalmente um samba, mas ultimamente mais associada à música sertaneja. A releitura de Fênix a situa em outra latitude.

Do mesmo Ary, há um samba, É Luxo Só, que tem seu tom esfuziante realçado pela participação de Silvia Machete, cantora mestra nos requebros (como poderá ser conferido quando Fênix lançar no futuro um DVD que vai agregar algumas imagens do show captado naquele novembro de 2008) e nos bamboleios vocais.

E por falar em outras participações luxuosas, Zé Ramalho entra em cena para recordar com Fênix Avohai, seu tema espiritual de 1978 que adquire outra dimensão rítmica no inspirado arranjo que alterna andamentos (detalhe: admirada por Fênix, a música já havia sido revisitada pelo cantor em 2001 em seu primeiro álbum, o supra-citado Eu, Causa e Efeito).

A presença de Ramalho avaliza ao vivo essa admiração sincera de Fênix por uma música de cunho tão pessoal.

A total liberdade que norteia o canto de Fênix é especialmente traduzida neste disco ao vivo pela coragem de incluir reluzente pérola do cancioneiro popular, Sonho de Ícaro, balada de Piska e Cláudio Rabello, projetada em escala nacional, em 1984, na voz de Byafra.

Sonho de Ícaro voa alto na voz de Fênix - emoldurada por um piano solitário neste momento mais íntimo – e tem tudo para ser novamente hit se a regravação ganhar visibilidade no arisco mercado fonográfico.

Na faixa, Fênix dosa os tons, com exemplar domínio da técnica do canto, desenvolvida no conservatório de música de Recife (PE), a cidade-capital de Pernambuco que abrigou o artista até 1994.

Entre Recife e Rio de Janeiro, o cidadão do mundo se permitiu passar também uma temporada em Nova York (EUA), bem no centro da ebulição cultural, onde conheceu Gerald Thomas, vindo a trabalhar com o conceituado diretor de teatro na montagem de O Cão Andaluz, espetáculo inspirado na obra do poeta espanhol Garcia Lorca (1898 – 1936).

A encenação percorreu São Paulo em 1998, dois anos depois de a voz de Fênix ter sido o principal destaque do musical Os Quatro Carreirinhas. Essa bagagem, sempre na tênue fronteira entre música e teatro, se confirmou decisiva no momento em que, plenamente capacitado, Fênix subiu ao palco da Sala Baden Powell, naquele 18 de novembro de 2008, para cantar suas verdades na forma de músicas próprias (Migalhas no Altar e Marfim também estão no disco) e de autores como Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, o trio tribalista de quem o cantor aborda Carnavália, desfilando em cena com a certeza de estar captando ao vivo um trabalho que sintetiza uma história de vida tão rica e variada quanto os matizes de sua voz privilegiada. E, em qualquer tom, sempre verdadeira.