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Biografia de Guinga

Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, mais conhecido como Guinga, (Rio de Janeiro, 10 de junho de 1950) é um compositor e violonista brasileiro (dentista-violonista-compositor).

Em 1991, Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o Guinga, foi catapultado a fina flor da MPB. Ivan Lins, Vitor Martins e o saudoso produtor Paulinho Albuquerque (morto em 2006, de enfarto) decidiram montar a gravadora Velas apenas para lançar "Simples e absurdo", disco com canções represadas há mais de uma década, parcerias do violonista, então desconhecido, com Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro.

O CD trazia muitos convidados, intérpretes que abraçaram a causa do supermúsico tímido e talentoso.

Mas foi no álbum seguinte, "Delírio carioca" (1993), que Guinga pôs realmente seu boteco para funcionar: assumiu o microfone, deslizou a voz densa entre o breu e a impostação erudita e criou um clássico – é bem verdade que ainda será descoberto – e revalorizado em capítulos futuros da música brasileira.

Pois "Casa de Villa" (que remete às residências do subúrbio e também a Villa-Lobos) é sucessor direto de "Delírio carioca". E o melhor trabalho de sua carreira.

O primeiro disco de Guinga pela gravadora Biscoito Fino é produzido por Marcus Tardelli. Violonista e arranjador, ex-integrante do grupo Maogani, em 2005 fez releituras de canções do artista, lançadas em "Unha e carne", sua estréia solo. Ganhou um amigo e a oportunidade de estar mais perto dele.

Aqui está o Guinga dividido entre dois opostos que se cruzaram em poucos momentos: canção e cantor. Década de 90 adentro e em parte dos anos 2000, ele era um compositor de canções, mas também um artista de rótulo instrumental, com pouca vontade de amplificar as rebuscadas e delirantes letras que lhe presenteavam.

As melodias e harmonias saíam com a categoria de uma falta certeira de Roberto Dinamite, ídolo de seu eterno Vasco. Mas a voz...descansava em berço esplêndido, contida, escondida, à espera de um pedido insistente, como o de Djavan, que um dia fez um apelo num jornal: "Guinga, faça as letras e cante suas canções!".

Djavan foi atendido. Em "Casa de Villa", Guinga canta oito das 12 músicas e, num ato de bravura para quem renegava sua literatura vasta, estréia como letrista. São dele os versos de "Maviosa", que descreve imagens da Rodovia Washington Luiz, atravessando a suburbana Duque de Caxias ("O fogo da refinaria é Boitatá/o lixo de Gramacho/o luxo mora embaixo/macho e fêmea Urubu-Bumbá"), mas também pinça o imaginário de todos os bairros e municípios da periferia por que passou na vida.

Os violões são soberanos: tomam conta do corredor instrumental construído para o disco. Em álbuns como "Suíte Leopoldina" (1999), as cordas eram o feijão do arroz de Guinga. Em "Casa de Villa", despe-se dessa erudição. Ela é apresentada no esqueleto, sem maquiagem, próxima da criação, é palanque vazio para modulações deliciosas. Choros, valsas, sambas, peças quase clássicas, instrumentais que misturam tudo aparecem nos 50m29s com poucos adereços.

Como em "Mar de Maracanã" (com Edu Kneip), que, costurada por flautas e clarinetes e recortada em solo de guitarra jazzística de Lula Galvão, trata o bairro do maior estádio do mundo como uma ilha paradisíaca.

"Via crucis", outra com Kneip, é dividida com a cantora mineira Paula Santoro e traz à luz logo uma comparação com "Passarinhadeira" (de "Delírio carioca"), levada aos limites interpretativos
por Fátima Guedes. Termina aqui quase como uma ária.

É a exceção. A respiração que domina o disco é mesmo a de Guinga. É ele quem carrega as melodias para cima e para baixo, que ordena o ritmo, que comanda o boteco. É ele quem diz como deve cantar e de que forma deve soar. Muito por causa disso, parece se reapropriar de sua alma, isso transparece com uma sinceridade perturbadora.

Ao fechar as portas de sua "Casa da Villa", Guinga convida outra alma, a de Paulinho Albuquerque, que brilha na homenagem "Comendador Albuquerque".

A valsa instrumental tristíssima que encerra o disco é uma espécie de tributo ao produtor que dedicou 15 anos de sua vida a contar ao mundo quem era Guinga.

A luta de Albuquerque não foi em vão. Resta agora que o mundo saiba que, por cima das mais belas canções já escritas no Brasil, paira também uma bela voz. A voz de um grande artista.

Guinga tem parceiros como Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Chico Buarque e Nei Lopes. É formado em Odontologia e exerce a profissão quando não está se apresentando.

Os Mais Belos Acordes do Subúrbio, de Marco Antonio Barbosa conta em tom jornalístico a vida e obra do compositor e violonista carioca Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, mais conhecido como Guinga.

Guinga é a personificação carioca daquilo que os americanos gostam de chamar de a musician's musician, ou seja, um músico dos (e para) os músicos. Mas restringir o status de Carlos Althier de Souza Lemos Escobar - Guinga - dentro da MPB ao de um mero virtuose instrumental seria no mínimo uma simplificação grosseira.

Guinga é, para definí-lo melhor, um dos mais bem guardados "segredos" de nossa música, compositor e violonista reverenciado por dez entre dez medalhões da MPB, parceiro de Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque - mas que permanece fora dos olhares do grande público.

Entre as inúmeras razões que o mantêm neste(confortável) semi-anonimato, está a própria personalidade do compositor. Retraído, com fama de autor "rebuscado demais", cheio de idiossincrasias e devidamente não talhado para a superexposição, Guinga tem a complexidade de sua vida e obra esboçadas pela primeira vez em livro, pelas mãos do jornalista Mario Marques: Guinga - Os Mais Belos Acordes do Subúrbio (Ed.Gryphus), que teve lançamento de gala na noite de ontem (dia 14 - não por acaso, dia em que o compositor completava 52 anos).

No Teatro Municipal de Niterói (RJ), Guinga fez show junto a Simone Guimarães e o saxofonista Sérgio Galvão; depois, com Mario, autografou o volume que tenta recontar sua curiosa - às vezes enigmática - trajetória.

"Essa coisa da biografia me deu duas sensações: a primeira foi maravilhosa; a segunda foi um pouco sombria, porque as pessoas só são biografadas depois de mortas, ou então quando já estão bem perto..." afirmou Guinga ao Cliquemusic sobre o livro em torno de sua vida.

A incomum trajetória de Carlos Althier rumo ao status cult que ostenta começa no bairro de Sulacap, subúrbio do Rio de Janeiro. Mario Marques conta - de forma não-linear, e sempre centrado na música - como Guinga criou seu inimitável e refinado toque ao violão, autodidata, treinando o ouvido com bossa nova, seresta e jazz durante a juventude.

Ao mesmo tempo, firmava-se a vocação para a odontologia, que o fez dividir-se entre o consultório e o violão por boa parte de sua carreira.

Mario Marques, repórter do jornal O Globo (RJ) e atuante no jornalismo musical desde 1988. O autor diz que não quis fazer de Os Mais Belos Acordes do Subúrbio uma biografia autorizada, apesar de contar com a presença de Guinga em toda a construção do texto.

Profissionalmente mais associado ao pop-rock, Marques conta que ouvir Guinga pela primeira vez foi como uma revelação. "Ele era muito mais desconhecido, não havia nem saído nenhuma grande reportagem em jornal sobre sua música. A música de Guinga para mim foi um passaporte para a música brasileira, para Chico, para Jobim, para Gil, para tudo que eu virava a cara. Entusiasmei-me com aqueles acordes quase eruditos, molhados de jazz e de choro. Coisas que jamais pensei em aceitar - tinha 20 anos, estava mais interessado em música pop, mas ele virou um clássico para mim", diz Mario.

Em ritmo de reportagem, vemos Guinga encontrar com seus parceiros de fé - os letristas encarregados de completar os sofisticados choros, foxes, valsas e sambas criados no violão. Primeiro Paulo César Pinheiro, no começo dos anos 70 (quando o primeiro era um violonista anônimo, acompanhando a cantora Alaíde Costa).

Depois, a união em 1988 com Aldir Blanc. Segue contando a inauguração de sua carreira discográfica, em 1990 (com o álbum Simples e Absurdo ) e seu emocionado encontro com o ídolo Chico Buarque (com quem fez Você, Você). E principalmente o crescente reconhecimento que o compositor passou a ter a partir dos anos 80, sendo gravado e regravado por medalhões como Fátima Guedes, Leila Pinheiro, Ithamara Koorax, Elza Soares e Miúcha.

Mario Marques se preocupa em dar o devido valor a Guinga, já chamado de, por exemplo, "o desconhecido mais conhecido do Brasil" (por Oswaldo Montenegro).

"O que tento fazer é demonstrar ao leitor que esse compositor chamado Guinga está predestinado a virar um capítulo importante da música brasileira", afirma Marques. "Tem muita gente que nem imagina como eu sou mas já ouviu falar do meu nome, conhece as minhas músicas. É uma coisa toda pela contramão, mas que deu certo", reconhece o próprio Guinga, que encontra na relativa obscuridade um refúgio para sua timidez.

"Sou muito tímido. Já pensou que terrível, não poder nem ir ao cinema... imagino que deva ser horrível", fala o compositor.

Tímido e às vezes genioso e impulsivo, como Os Mais Belos Acordes do Subúrbio demonstra. O livro conta os rompimentos não muito diplomáticos com os parceiros mais importantes, Paulinho Pinheiro e Aldir.

O primeiro saiu da vida de Guinga no fim dos anos 80; o violonista se achava "menosprezado" pelo letrista. Ao invés de tentar esclarecer a situação, Guinga simplesmente desligou-se do convívio com Pinheiro.

Já Aldir Blanc foi o suposto ofendido por declarações de Guinga à imprensa sobre a parceria; desde 1999 não compõem juntos. "Ele é uma pessoa reconhecidamemte de personalidade difícil", conta Mario Marques, afirmando que várias histórias pitorescas, que poderiam enriquecer ainda mais o livro, ficaram de fora do texto final.

"Guinga veio a minha casa para ler o livro e saiu derrotado. Achou que eu estava derrubando-o. Muitas histórias ficaram de fora a pedido dele, outras eu me auto-censurei. Sabia que podia ter problemas e ele também. Mas não há revelação que seja mais importante que a amizade dele", narra Mario.