×

Biografia de Hekel Tavares

Hekel Tavares
16/6/1896 Satuba, AL
8/8/1969 Rio de Janeiro, RJ

Filho de músicos, a mãe era pianista e o pai, flautista. Foi criado em Maceió, convivendo com a música tradicional dos repentistas, cantadores de desafios, reisados e congadas, que teriam forte influência em sua música. Pequeno ainda, mostrou interesse pela harmônica e pelo cavaquinho e, mais tarde, passou a estudar piano com uma tia de seu pai.

Em 1921, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde estudou harmonia, composição, contraponto, fuga e instrumentação com J. Otaviano e Francisco Braga. Influenciado pelas idéias nacionalistas do movimento que culminou na Semana de Arte Moderna, sua obra está situada entre o erudito e o popular. Com o dinheiro ganho nos primeiros trabalhos que realizou, mandou construir no Alto da Gávea, no Rio de Janeiro, um "tapujar" (tipo de residência inspirada nas habitações rústicas de Alagoas) e comprou uma fazenda em Ribeirão Preto, São Paulo.

Em 1934, casou-se com Martha Dutra Tavares, que teve importante influência em sua carreira de compositor "erudito", já que contribuiu para sua decisão de dedicar-se à música de concerto, a partir de então. Viveu exclusivamente de sua música, chegando até mesmo a vender fazenda e casa para viabilizar a edição de suas obras.

Iniciou sua carreira em 1926, como compositor e pianista do teatro musicado. Na época, compôs a música da peça "Stá na hora", de Goulart de Andrade, encenada no Teatro Glória, e regeu a orquestra na revista "Plus-ultra", no mesmo teatro. No ano seguinte, musicou a peça de estréia do Teatro de Brinquedo e trabalhou para revistas populares da Praça Tiradentes. Ainda em 1927, teve suas primeiras composições gravadas, as canções "E nada mais..." e "Vê, cada estrela é um passarinho", por Roberto Vilmar na odeon. Em 1928, Francisco Alves gravou sua marcha "Josefina" e, em dueto com a atriz e cantora Rosa Negra, o fox-trote "Moleque namorador". Nesse mesmo ano, conheceu seu primeiro sucesso, a toada "Suçuarana", em parceria com Luís Peixoto, gravada por Gastão Formenti, que gravou ainda as canções "Sabiá", "Felicidade" e "Papaizinho". Também nesse ano, teve gravadas as canções "Tenho uma raiva de vancê", "Nosso tempo de colégio" e "Era aquilo só...", parcerias com Luiz Peixoto, por Stefana de Macedo e as canções "Sapo cururu" e "O boiadeiro", parcerias com Olegário Mariano, por Sérgio da Rocha Miranda. Na Parlophon, Patrício Teixeira gravou com sucesso o cateretê "Eu vi uma lagartixa". Em 1929, compôs com Lamartine Babo o cateretê "Cariocadas" e com Joracy Camargo, a canção "O preto velho Cambinda", gravadas por Francisco Alves. No mesmo ano, suas canções "Casa de caboclo" e "Saudade", parcerias com Luiz Peixoto e "Sabiá", com Joracy Camargo, foram gravadas por Ruth Caldeira de Moura e os cocos "Meu barco é veleiro", "Benedito Pretinho" e 'Vadeia caboclinho", parcerias com Olegário Mariano foram gravados por Francisco Alves.

Em 1930, mais duas de suas parcerias com Luiz Peixoto, as canções "Pra sinhozinho drumi" e "No Pegi de Oxossi", foram gravadas por Francisco Alves na Odeon. Nesse mesmo, teve uma série de sete canções gravadas por Januário de Oliveira na Columbia, entre as quais "O carreiro" e "Lavandeirinha", com Olegário Mariano, "Os oinho dela", com Josué de Barros e "Na minha terra tem", com Luiz Peixoto. Também nesse período, o cantor paulista Paraguassu gravou a canção "Azulão", parceria com Luiz Peixoto e Gastão Formenti lançou pela Brunswick a canção "Maria Rosa", com Luís Peixoto. Em 1931, Silvinha Melo gravou na Victor as canções "Chove chuva!", parceria com Ascenso Ferreira e "O pequeno vendedor de amendoim", com Joraci Camargo. Em 1932, teve duas de suas mais famosas canções gravadas por Raul Roulien na Victor: "Favela" e "Guacira", com acompanhamentos seus ao piano. Em 1933, teve três composições gravadas por Jorge Fernandes: as canções "O que eu queria dizer ao seu ouvido", parceria com Mendonça Jr. e "Banzo", com Murilo Araújo e "Leilão", cenas coloniais, parceria com Joraci Camargo. Em 1934, a canção "Casa de caboclo" foi regravada com grande sucesso por Gastão Formenti na Odeon. Nesse ano, Elisinha Coelho gravou na Victor com os Irmãos Tapajós a "Dança negra", com Sodré Viana e o coco "Bia-tá-tá", com Jaime d'Altavitta com acompanhamentos seus ao piano.

Em 1935, compôs a primeira peça para orquestra sinfônica: "André de Leão e o demônio de cabelo encarnado", que focaliza a epopéia do bandeirante André e seus problemas com o Curupira, baseada em poema de Cassiano Ricardo. O libreto da obra foi ilustrado pelo gravador Osvaldo Goeldi. Antes dessa obra, o compositor havia musicado duas operetas infantis escritas por sua esposa: "O sapo dourado" e "O gaúcho". Em 1941, a consagrada pianista Antonieta Rudge estreou sua obra mais difundida, o "Concerto para piano e orquestra em formas brasileiras", em que o compositor usa como movimentos os ritmos do nosso folclore: modinha (tempo de batuque), ponteio e maracatu. Esse concerto foi interpretado por artistas renomados, como Guiomar Novaes, Souza Lima e Felícia Blumenthal. Em 1942, Jorge Fernandes gravou na Columbia a canção "Caboclo bom", parceria com Raul Pederneiras. De 1949 a 1953, percorreu o Brasil recolhendo material folclórico para composições, com o apoio do Ministério da Educação e Saúde Pública. Na volta, compôs o poema sinfônico "Anhangüera", para orquestra, coro misto, solistas e coros infantis, com argumento de sua esposa Martha Dutra Tavares e poemas de Murilo Araújo. Nessa obra, o compositor utilizou instrumentos de percussão dos índios Tucuna e o motivo indígena recolhido por Jean de Léry, "Canide ioune", no século XVI. Em 1958, a dupla sertaneja Cascatinha e Inhana regravou com sucesso na Todamérica a canção "Guacira", parceria com Joraci Camargo.

O poema sinfônico "Anhanguera" foi gravado e adquirido logo depois pela Secretaria de Turismo como um dos elepês oficiais do IV Centenário do Rio de Janeiro, celebrado em 1965. A compra de 2.000 discos foi pessoalmente autorizada pelo então Secretário de Turismo Enaldo Cravo Peixoto, que fez distribuir o elepê para várias cidades do mundo, por sugestão do então assessor daquela secretaria, R. C. Albin. Compôs ainda outra obra inspirada no material recolhido em sua viagem: "Oração de um guerreiro", para baixo profundo.

Recebeu várias comendas e prêmios, como a Medalha Roquette Pinto, a Comenda Cruzada Tradicionalista Brasileira e o Prêmio Nacional do Disco, em 1967. Em 1968, compôs sua última obra sinfônica, a "Rapsódia para violoncelo e orquestra", deixando inacabado o drama folclórico "Palmares", com palavras de Edgard da Rocha Miranda, a "Rapsódia nordestina" e a "Fantasia brasileira para piano e orquestra".

Em 1987, a canção "Guacira", com Joracy Camargo, foi regravada pela dupla Jane e Herondy. Em 1996, Fernando de Bartoli escreveu "Hekel Tavares - o mais lindo concerto para piano e orquestra", em que incluiu lista de obras, discografia e bibliografia sobre o compositor. No final da década de 1990, o filho do compositor, Alberto Hekel Tavares, processou o cantor e compositor Raimundo Fagner, por plagiar a canção "Penas do tiê", de autoria de seu pai. Fagner alegou que "Penas do tiê" era uma adaptação sua do folclore, de uma canção recolhida do domínio público. Alberto Hekel exigiu indenização de R$ 400 mil. Segundo ele, "a canção não só não era do folclore como era bastante conhecida e de um dos grandes compositores brasileiros". Descobrira o plágio ao ouvir uma gravação da Orquestra Pró-Música do Rio de Janeiro, tendo como solista a cantora Ithamara Koorax, e declarou aos jornais: "É inacreditável! Tratava-se da mesma canção". Segundo ele, Fagner só mudou duas palavras: "Ele chama a fruta gabiroba de guabiraba, coisa que não existe".

Compôs mais de 150 canções baseadas em elementos regionais. Em seu repertório vocal destacam-se os maracatus "Evocação", "Oração e dança" e "Festival", com poemas de Ascenso Ferreira; "Azulão", "Casa de caboclo", "Na minha terra tem" e "Suçuarana", com letras de Luís Peixoto; "Lavanderia", "O carreiro", "O boiadero" e "Uma toada", com poemas de Olegário Mariano; "Guacira", "Leilão", "Favela" e "Moleque namorador", com letras de Joraci Camargo; "Coco da minha terra", com palavras de Jaime d'Altavitta; e três danças nordestinas (cocos): "Dança de caboclo", "Humaitá" e "Engenho Novo", arranjos de temas do folclore brasileiro. Atingiu o auge de sua carreira com obras como "Funeral de um rei nagô", "Banzo" e "Oração do guerreiro", com letras de Murillo Araújo, que foram interpretadas até por artistas internacionais, como o contralto Marian Anderson. O maestro Eleazar de Carvalho chamava-o, aliás, de "Schubert brasileiro", justamente por sua capacidade de compor canções com temas populares, assim como o compositor austríaco demonstrou com seus "lieder".

Em 2002, foi apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro o "Concerto para piano e orquestra em formas brasileiras" interpretado pelo pianista Arnaldo Cohen e pela Orquestra Petrobras Pró Música. Nesse ano, seu filho Alberto Hekel Tavares deu início a um trabalho de recuperação das partituras e regravaçõa em CD dos discos do pai. Em 2009, sua canção "Sussuarana", com Luiz Peixoto, foi cantada por Inezita Barroso no programa "Viola, minha viola", apresentado por ela na TV Cultura de São Paulo. Nesse ano a cantora Ana Salvagni prestou homenagem aos 40 anos de morte do maestro com o lançamento do CD "Alma cabocla" que recebeu patrocinio da Petrobras e foi distribuído pela Tratore. A pesquisa de Ana Salvagni começou em 2006. Ela debruçou-se em 70 das quase 150 peças (incluindo peças sinfônicas) deixadas pelo compositor. Fizeram parte do disco os instrumentistas Paulo Freire, Toninho Ferragutti, Swami Jr., Paulo Braga, Nailor Proveta, e Edmilson Capeluppi, além de participações especiais de Renato Braz e Filó Machado. A co-direção musical foi assinada por Edson Alves. O repertório foi composto por canções das décadas de 1920, 1930 e 1940. Estão presentes no CD as composições "Biá tá tá", com Jorge D´Altavilla; "Dedo mindinho", "Sussuarana"; "Casa de caboclo" e "Era aquilo só", com Luiz Peixoto; "Você", com Nair Mesquita; "Côcos" e "Lavandeirinha", com o poeta Olegário Mariano; "Leilão", "Guacyra", "Acalanto" e "Favela", parcerias com o teatrólogo Joracy Camargo, e "Caboclo bom", com Raul Pederneiras, além de três obras solo do maestro alagoano: "Engenho novo", "Eu vi...", e "Moleque namorador".