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Finado Trançudo

Pedro Ortaça

Hermanos me dão licença como cristo para Santa
Que hoje o finado trançudo canta, recanta e descanta;
Por haver amanhecidos com canários na garganta

Do que faço com a guitarra nem um outro se aproxima
Ronco as cordas de uma a uma indo de baixo pra cima
Depois de cinco rompidas fico harpejando nas primas

A guitarra meus amigos é a mulher em miniatura
Tem o boleado das ancas e o estreito da cintura
Canta, cala, grita e chora como qualquer criatura.

Por isso me sinto macho com a guitarra nos braços
Com ela falo meus dedos tocando cordas e braços
E dela tiro o remédio pra curar dos puaços.

Me perco pelas bulitas, mas não tremo pelo feio
Já briguei com lobisomem num pelado de rodeio
E do couro do medonho fiz um xinxão pros areios.

Por bueno me considero na dura lida campeira
Já saquei couro de touro num só golpe de açoiteira
E fiz cair quero-quero num tiro de bolhadeira

Cavalo de minha encilha sou eu mesmo quem educo
Conhece couvas de touro e ninhos de tuco-tuco
E correm mais que uma bala cuspida por um trabuco.

Para contar uma tropa dentro de leis me destaco
De riba de uma tronqueira dou um vistaço no rastro
Somo o desenhos dos cascs e depois divido por quatro.

Nasci de corpo fechado, de lombo liso e sem dobras
E ate de mim tenho medo quando o sangue me desdobra
Se uma cruzeira me pica, fico eu e more a cobra.

Se o céu me cair por cima nem me bate a passarinha
Chairo a faca e faço um rombo sem dor nem ladainha
Saio de baixo pra cima pro lado que Deus caminha.

Quem nasceu de queixo roxo por valente se requinta
E o caso deste que canta e não há quem o desminta
Num saco nunca detive nem antes cortar-lhe as pintas

No rastro ninguém me enleia e nem nunca pedi socorro
Tenho faro de um paquelhas contra voltas do sorro
Que por causa é um bicho esperto cruza de lobo e cachorro

Conheço o rengo sentado, conheço o cego dormindo
Sanga cheia não me ataca passo por baixo me rindo
Quando o alarife vem perto, há muito já vou me indo

Entro na perna do pato, saio na perna do pinto
Do preto faço a brancura e do branco o retinto
E do sereno da noite um litro de vinho tinto.

Quando desgaço meus pinto deixo a força e tiro a graxa
Do verde faço o maduro e dum prego faço uma taxa
Em tempo de chuva grande faço o rio voltar pra caixa.

Sou meio Deus, meio diabo, meio herege, meio santo
Sou reza, sou impropério, sou berro e sou acalanto
Mas sou eu de alma inteira na tradução do meu canto.

Por não lamber o que cuspo a prove lhes ofereço
Do inteiro faço a metade e da metade faço um terço
Do terço, o quarto e o quinto, despinto e desapareço.

Composição: -





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