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Biografia de São Clemente

HISTÓRIA

A sede da São Clemente como instituição sempre esteve no bairro de Botafogo, onde permanece até hoje, bairro este com o qual a agremiação possui profundas ligações. Porém atualmente a quadra para os ensaios da escola está localizada na Avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova.
São Clemente é uma escola de samba da cidade do Rio de Janeiro, que foi idealizada e fundada por Ivo da Rocha Gomes, João Marinho e Ailton Teixeira. A escola ao longo dos anos notabilizou-se pelos enredos cheios de bom humor e críticas sarcásticas aos mais diversos temas. A São Clemente também possui equipes de futebol de areia de várias categorias, sendo um dos poucos grandes times dessa modalidade a não pertencer ao eixo Copacabana-Leblon.

ANOS 80

A partir da década de 80, a escola se caracterizou por apresentar enredos participantes e de cunho social, que, comprovadamente, a define como uma escola de samba preocupada com a problemática do povo brasileiro. Ousada, crítica, irreverente, política, esses são alguns dos adjetivos que passaram a denominar a escola de Botafogo.

1984: A São Clemente conseguiu ascender ao então primeiro grupo com o enredo "Não Corra, Não Mate, Não Morra: O Diabo Está Solto no Asfalto", sobre o caos e a violência no trânsito. A escola encantou as arquibancadas com a história bem humorada do Zeca Passista e os perigos do trânsito. Placas, semáforos, atropelamentos foram genialmente representados em fantasias e o amarelo e preto da escola juntou-se ao vermelho e ao verde em um desfile que levou a escola de volta ao primeiro grupo. A escola chegou devagar, devagarinho, respeitando a toda sinalização e as co-irmãs e ascendeu ao grupo especial, após quase duas décadas.

1985: Com "Quem Casa, Quer Casa", novamente desfilou uma deliciosa sátira ao sério problema do déficit habitacional no Brasil. Sua comissão de frente ganhou o Estandarte de Ouro do jornal O Globo (a escola revolucionou o Carnaval carioca ao apresentar a sua comissão de frente fazendo evoluções e engajada ao enredo - até então as escolas apresentavam nesse quesito a velha guarda que tinham a única função de apresentar a escola, permanecendo estática e sem engajamento ao enredo desenvolvido). No abre alas, o casal vinha abaixo do sino de uma capela. Mostrou-se a vida cigana, o acasalamento de animais, incluindo o homem pré-histórico. A escola fez um desfile competente para uma escola que ascendera de grupo. Talvez pelo pioneirismo do enredo, pagou com o rebaixamento. O desfile, porém, não lhe manteve entre as grandes escolas.

1986: De volta ao segundo grupo, a São Clemente entrou na avenida novamente abusando do bom humor e encantou público e jurados com o enredo "Muita saúva, pouca saúde, Os males do Brasil são", abordando o descaso com a saúde no Brasil. Destaque para o carro que homenageava o hospital de Brasília, que atendeu Tancredo Neves, em que o paciente tinha seu leito infestado de baratas e tinha formigas até no soro. Um outro carro alegórico simbolizava a diligência da saúde que era puxada por saúvas. A escola ficou com o vice-campeonato e teve um saudável retorno ao Grupo Especial.

1987: A São Clemente retornou ao primeiro grupo com um belo samba, todo em tom menor, composto por Manuelzinho Poeta, Jorge Madeira e Isaías de Paula, este último, ex-interno do SAM (Serviço de Assistência ao Menor). Sua experiência de vida o permitiu expressar nos versos do inspiradíssimo samba sua revolta contra o descaso com as crianças pobres do nosso país. O enredo Capitães do Asfalto era uma réplica análoga a obra de Jorge Amado, Capitães da Areia. A comissão de frente foi formada por meninos de rua de verdade. Durante o desfile, permeado de ironia na discrepância entre o luxo da vida do menino rico e a miséria da criança que perambula pelas ruas das grandes metrópoles, a São Clemente apresentou um grupo de meninos de rua de verdade. O desfile emocionou a Marquês de Sapucaí e proporcionou um dos melhores momentos da história da escola de Botafogo. Com esse desfile, a São Clemente conseguiu um honroso sétimo lugar, e marcou seu nome definitivamente na história dos desfiles da passarela. O abre-alas trouxe uma praça pública, com escultura de meninos dormindo os bancos, cujo destaque principal representava a noite. No carro do restaurante, os menores catavam comida no lixo. A criança "rica" veio enclausurada numa gaiola de ouro. Uma grande escultura de um cheque em branco representava a satisfação de suas necessidades em confronto com a ausência afetiva dos pais. A bateria da escola entrou no box de costas, o que representou um belo momento. O desfile foi permeado de ironia na discrepância entre o luxo da vida do menino rico e a miséria da criança que perambula pelas ruas das grandes metrópoles. Alas representavam jogos de azar, prostituição, drogas e criminalidade. A última parte retratou a FUNABEM, representada por camburões, ratoeiras e vasos sanitários, demonstrando que a instituição não é solução para os problemas do menor abandonado. Encerrando o desfile, a escola trouxe menores abandonados de verdade. O desfile emocionou a Marquês de Sapucaí e proporcionou um dos melhores momentos da história da escola de Botafogo. Com esse desfile, a São Clemente conseguiu um honroso sétimo lugar, e marcou seu nome definitivamente na história dos desfiles da passarela. A modelo Cláudio Egyto abrilhantou a bateria de Mestre Renatinho. Muito antes de se falar em estatuto da criança e adolescente, a São Clemente saia mais uma vez na vanguarda, e dessa vez, capitaneando o público e a crítica pararam para ver, apreciar e refletir sobre o enredo da escola.

1988: Com a violência ganhando as páginas de jornais e com o sucateamento do Estado brasileiro, incompetente para resolver esse problema, a São Clemente mais uma vez deu voz ao povo, especialmente o carioca . O enredo " Quem avisa amigo é" foi um grito de alerta contra a violência. A São Clemente passou com um grande contingente. A escola evoluiu muito bem e teve uma excelente harmonia. Os carros da escola, feitos de espuma, deram leveza às alegorias. A escola começou impactante, toda em negro. A comissão de frente trouxe monstros correndo atrás da pomba da paz. Na abertura de cada setor a escola trouxe tripés com frases contra a violência: à natureza, à mulher, aos idosos, à urbana etc. O branco tomou conta do final do desfile para mostrar a esperança de um mundo sem guerras e sem violência. O destaque desse último setor foi a ala das baianas, vestida de branco e com adereços da pomba da paz. Dispensada da Mocidade, Monique Evans estréia como rainha dos passistas da São Clemente. O refrão trazia uma provocação ao slogan da Rede Globo "se essa onda pega, vai pegar noutro lugar"; O sucesso do ano anterior fez com que a escola fosse procurada por pessoas alheias a comunidade e a escola se agigantou. Como uma onda avassaladora, a escola colocou o dedo na ferida, clamando por um basta à violência, de uma forma muito bonita e poética, pouco convencional.

1989: Com "Made in Brazil!!! Yes, nós temos banana" a São Clemente trouxe irreverência ao denunciar a influência econômica e cultural brasileira dentro do mercado internacional, com ênfase na hegemonia norte-americana. O café, a gasolina, o ouro e até os craques do futebol nacional foram homenageados em forma de denúncia ao descaso com os produtos genuinamente brasileiros, saqueados a céu aberto e aos olhos complacentes dos governantes. O abre-alas vinha com a bandeira brasileira estilizada de alfândega. Em pleno desfile, o segundo carro alegórico, Nau do Descobrimento, quebrou a direção e ficou impossibilitado de manobrar. Os diretores de Harmonia imediatamente passaram as alas para evitar buracos na Escola, mas logo chegou o terceiro carro, Serra Pelada. Foi um momento de grande suspense: diretores, componentes, imprensa, e, principalmente, o público torcia para que o carro passasse. O carro avariado foi praticamente levado suspenso no braço até o término do desfile. A superação da escola foi surpreendente, em um ano em que se prometia o rebaixamento de 5 escolas.

ANOS 90

1990: A grande surpresa do carnaval foi a São Clemente, ao fazer um célebre enredo "E o samba sambou" criticando o carnaval da Sapucaí. Destaque para os componentes da comissão de frente, que vieram com uns bonecos nas mãos, representando a comercialização no samba (compra e venda do quesito Mestre-sala e Porta-bandeira pelos dirigentes das escolas). Na coreografia, os componentes jogavam-nos ao chão e os pisoteava. A fantasia do mestre-sala e da porta bandeira era de bonecos de corda. Tinham ainda alas com arlequins com foguetes, representando a correria dos componentes, para se chegar até a Apoteose e na fantasia existia o número da cronometragem: 1h20; alegoria com correntes e cadeados, representando o pouco acesso das pessoas mais pobres nas arquibancadas; alegoria com pavões, representava a vaidade dos carnavalescos, tripés com anúncios, tipo: "vende-se um mestre sala e compra-se um puxador". A escola, juntamente com a União da Ilha, até o os dois últimos quesitos (mestre sala e porta bandeira - alegorias e adereços) liderou a apuração, prometendo ser a grande zebra do carnaval. No final da apuração acabou em 6º lugar. O grande momento da São Clemente. O recado tinha endereço certo.

1991: O enredo ficcional-histórico-futurista, "Já Vi este Filme", da São Clemente, mesclava o futuro com a história do Brasil, de forma apocalíptica. A São Clemente fez um desfile compacto. Monique Evans, grávida, brilhou à frente da bateria. O carro abre-alas desfilou, saiu na dispersão e voltou ao desfile para encerrá-lo, dando a impressão que começaria tudo outra vez, como sugeria o enredo. Destacou-se o carro com a Estátua da Liberdade em ruínas, ao melhor estilo Planeta dos Macacos. O desfile da escola não a credenciaria a visitar o acesso, mas muitos acreditam que sua sorte já estava traçada devido ao ano de 1990 e o sucesso do desfile que colocava em xeque a modernização do carnaval da era Liesa. Além do confisco, da represália em relação ao enredo anterior, a escola sentiu encerrar o desfile.

1992: Com mais um enredo crítico, dessa vez com relação aos problemas na educação, a São Clemente fez um bom desfile, com fantasias caprichadas e de bom efeito. A comissão de frente, do bom e criativo Gabriel Cortês, veio de palmatória. Eram homens vestidos de "senhoras professoras", que no refrão (E o salário ó...), levantavam a saia e mostravam a bunda na avenida. Alguns personagens da Escolinha do Professor Raimundo desfilaram no último carro da escola. Os carros representavam matérias escolares e tinha uma ala de protesto dos professores por melhores salários. A escola foi reprovada pelos jurados.

1993: A São Clemente inaugurou no desfile da Marquês de Sapucaí o merchandising do pão, enredo que levou para avenida. De forma irônica, a escola cobriu a avenida com pandeiros, ratinhos e, sobretudo, baianas, representando o trigo, o centeio, o milho e a cevada do "Pão nosso de cada dia". Enoli Lara, madrinha da Ala Vamp, mostrou que possuía a padaria mais famosa do Brasil. E a "massa" quentíssima, vibrou nas pistas e nas arquibancadas, principalmente com os mendigos e retirantes, que comem o pão que o diabo amassou. O carro abre-alas apresentou nas primeiras horas da manhã um Pão de Açúcar estilizado sobre uma fornalha de onde saíam pães "Plus Vita". Com fantasias originais, a escola encerrou seu desfile plagiando o carnaval mais polêmico de Joãosinho Trinta - "Ratos e Urubus larguem minha fantasia" -, trazendo em sua última ala cerca de 80 mendigos com pão nas mãos. Esse último carro apresentava esculturas de isopor, que pareciam sair das telas de Cândido Portinari. A escola não estava no ponto para voltar a ser especial.

1994: A São Clemente trouxe um enredo que versava sobre a união dos povos, nas histórias infantis (mosqueteiros, três porquinhos), na música (duplas sertanejas) e na vida pública (passeatas, protestos). O enredo pegava carona no "impeachment" de Fernando Collor. O enredo e o samba eram bons, mas a escola teve problemas no mau acabamento de alegorias e fantasias, apesar de a fantasia da bateria estar impecavelmente vestida de mosqueteiro. Como de costume, no abre-alas, lindas mulheres semi-nuas enfeitaram o desfile. Num dos carros, uma sósia de Madonna fez seu showzinho particular para a platéia. No período antecedente ao carnaval, já existia a polêmica de que o desfile já estaria armado pra duas escolas. A escola foi vice-campeã e juntamente com a Villa Rica ficou 20 pontos na frente das demais, o que causou muita confusão e atraso na sua inclusão no desfile do grupo especial de 1995. É a velha máxima: Unidos, venceremos!

1995 : A São Clemente abriu o Grupo Especial, lembrando da conquista do tetracampeonato de futebol, apostando na recuperação do orgulho brasileiro. Na comissão de frente, foi reproduzido o erro no pênalti de Roberto Baggio, jogador italiano que deu o tetracampeonato nacional brasileiro no futebol. A escola desfilou com muita empolgação e alegria, mas era evidente a simplicidade de fantasias e alegorias. O abre-alas trouxe São Clemente ladeado por baianas, cuja ala vinha logo a seguir representando a religiosidade. A escola desfilou com simplicidade, mas muita alegria. No centro do carro dos esportes havia uma réplica do capacete de Ayrton Senna, uma homenagem ao ídolo, no qual se destacou Túlio Maravilha. Isadora Ribeiro veio à frente da bateria, que veio multicolorida e representando a moeda Real. A escola encerrou o desfile com o carro Renascimento, no qual o mapa do Brasil saia de um mar de lama. Mas foi um belo momento da escola. Isadora Ribeiro veio de Rainha da Bateria e o jogador Túlio Maravilha veio no carro dos esportes. Os jurados, incrédulos, rebaixaram a escola.

1996: Com "Se a canoa não virar, a São Clemente chega lá" , a São Clemente , respeitando suas cores, colocou as embarcações na avenida, desde as egípcias até as naus portuguesas, e fez um desfile bem animado, repleto de cavalos marinhos, vikings, piratas, carrancas, galeões, velas, cisnes brancos, caravelas e canhões. A diretoria veio de marinheiros. A comissão de frente era formada por Aqualoucos, que vieram de pés de patos. O abre-alas representava folias marítimas. Uma das alegorias, infelizmente, passou avaria na avenida, e isso pode ter causado a perda do acesso. Apesar de a Santa Cruz ter sido isoladamente a melhor, a São Clemente poderia fatalmente ter faturado o vice-campeonato. Apesar do belíssimo desfile, a escola deu com os burros n'água. Mas, sobreviveu ao naufrágio.

1997: Com o enredo "A São Clemente Botafogo na Sapucaí", a escola contou a história do bairro de Botafogo e um pouco da história da escola que estava completando 35 anos. As alegorias representavam bem o enredo, como a do pão-de-açucar giratório, dos casarões antigos do bairro, do clube de regatas Botafogo. A comissão de frente veio fantasiada do aventureiro português Pereira de Botafogo, que consegui através de seus atos de bravura afastar os invasores franceses, ganhando então terras que mais tarde se conheceria como o bairro de Botafogo. O desfile foi um dos mais belos momentos da história da São Clemente, pois além do belo visual, a escola teve uma harmonia perfeita. No resultado, três escolas terminaram empatadas: São Clemente, Caprichosos e Tradição. No desempate, a Tradição levou a melhor e faturou o campeonato. A segunda vaga para o Grupo Especial de 1998 foi sorteada entre Caprichosos e São Clemente. A Caprichosos levou a melhor no sorteio. A São Clemente entrou na justiça, alegando suspeita de fraude na classificação das escolas do grupo, já que a Tradição obteve as melhores notas, mesmo tendo desfilado com bateria e baianas sem fantasia. A escola de Botafogo conseguiu uma liminar concedida pelo juiz da 31ª Vara Cível, Carlos Eduardo Moreira da Silva e marcou presença no desfile das campeãs de 1997 no sábado pós-carnaval no Sambódromo. No desfile das escolas de samba campeãs do carnaval carioca, houve vaias para a Tradição e gritos de "é campeã" para a São Clemente. Na bateria, a estréia de Solange Gomes. Esquentou, mas não levou.

1998: Com uma linguagem simples e direta, a São Clemente veio "mordida" e fez um protesto na Avenida, pedindo Justiça. O enredo " Maiores são os poderes do povo. Se Liga na São Clemente!", retratava a briga do povo por justiça, falando da luta pelos direitos essenciais: saúde, educação, emprego, moradia. A escola elevou sua voz contra a fome, os baixos salários e a falta de cuidado com o bem-estar social. Na comissão de frente, vinham os "guerreiros de Momo", uma tropa de choque para botar ordem na casa, já que avacalharam com o carnaval. Eles vinham elegantemente vestidos e simulavam um ataque, em alusão aos jurados que prejudicaram a escola no ano anterior. A ala de baianas trouxe o nome da escola sobre o dorso em letras garrafais, mostrando o orgulho de ser clementiano. No carro da discriminação, Neusa Borges veio de destaque. Solange Gomes, mais uma vez, desfilou com a escola à frente da bateria. Justiça seja feita, a escola já estava passando da hora de voltar ao Grupo Especial.

1999: Desfilando com sua alegria tradicional, a São Clemente abriu o desfile do Grupo Especial, com uma homenagem ao advogado, jornalista, político, diplomata e abolicionista Rui Barbosa. Um brasileiro que sempre esteve a frente de seu tempo e que participou ativamente de movimentos decisivos na História do Brasil. A comissão de frente trouxe os diplomatas, cujo chapéu tinha uma águia. O abre-alas trouxe um bolo para comemorar 150 anos de Rui Barbosa. No carro da abolição, Castro Alves e Rui Barbosa vieram abraçados. No carro dos direitos humanos, Rui Barbosa veio conduzindo um dragão, representando os três episódios importantes que contou com a intervenção de Rui: as revoltas de canudos, da chibata e das armadas . A bateria de Mestre Renatinho veio vestida de senador da República. O desfile terminou com a alegoria alusiva ao triunfo em Haia, quando Rui foi eleito de Águia de Haia. A agremiação realizou um desfile modesto e foi rebaixada para o Grupo de Acesso. Apesar de a escola ter tido uma melhora significativa no quesito fantasia, algumas alegorias pecaram um pouco, por falta de ousadia. Rui Barbosa foi retratado em quase todas elas. No carro da abolição, uma das figuras passou avariada. Num país sem memória, Rui Barbosa passou totalmente despercebido, pois a mídia deu mais atenção à bunda da Tiazinha.

ANOS 2000

2000: No carnaval temático, com o enredo "No ano 2000 a São Clemente é Tupi, com Sergipe na Sapucaí", a São Clemente destacou as riquezas culturais, históricas e naturais de Sergipe, dos sítios arqueológicos ao seu fabuloso folclore, questionando os 500 anos do Brasil, de forma respeitosa, incorporando o indígena não como ser exótico, mas como elemento da nossa identidade histórica. Em anos cada vez mais competitivos, a escola fez uma parceria com o governo de Sergipe, fugindo um pouco de seu estilo. Duas zebras, especialmente a vinda de São Cristóvão e com apoio de Eurico Miranda, se colocaram na frente da escola.

2001: Com fantasias leves, bem-humoradas e claras, a São Clemente sacudiu a Sapucaí, que cantou junto o samba, bateu palmas, gritou "É campeã" e delirou com a bateria da escola. Logo no abre-alas, todo branco e prata, a escola pedia paz em pequenos estandartes que enfeitavam o carro: um enorme balde, com duas garrafas de champanhe, cercado por taças. A festa que a escola levou para a avenida era a resposta aos que fazem do país um lugar nem sempre alegre. Por isso, depois do abre-alas, vinha a dura realidade: a alegoria da favela tinha sinais de trânsito, postes com fios e placas onde se lia "não jogue lixo", além de vasos sanitários que serviam de base para os destaques. O vestido da porta-bandeira e a capa do mestre-sala eram cobertos de notas de dólares. O enredo "A São Clemente mostrou e nada mudou nesse Brasil gigante" fez referência aos diversos enredos antigos e críticos da escola. Apesar deles, nada parece ter mudado. O desfile teve direito até a ala de mendigos, repetindo a Beija-Flor de 1989, ano de "Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia". Mas o campeonato foi para o Porto da Pedra. É aquela eterna discussão. Dar o campeonato a uma escola impecável ou a que uma escola que mexeu com o público, mas que não tinha a mesma riqueza que a outra. Os jurados optaram pela primeira opção, ou seja, nada mudou, os tempos modernos trouxeram outra cara para o carnaval

2002 : No ano dos enredos comercializados, a São Clemente não fugiu à regra. A São Clemente comemorou os 40 anos de avenida com um tema de alerta para a necessidade de preservação do meio ambiente: "Guapimirim, paraíso ecológico abençoado pelo Dedo de Deus". O alerta veio logo atrás da comissão de frente, com as 180 baianas. A ala desfilou divida com fantasias em duas cores (branco e preto), representando a Baía de Guanabara, suas águas e a poluição. Com carros gigantescos, a escola teve problemas com um deles, que quebrou e os destaques tiveram que desfilar no chão. Era o segundo carro que apresentava os primeiros sinais da presença do homem na região de Guapimirim - que significa "nascente pequena", na língua indígena. Com alguns problemas na evolução, a escola acabou disputando com a Tradição o rebaixamento, levando a pior, talvez por ter sido a primeira a desfilar, posição comumente sacrificada pelos jurados. A escola mudou, as alegorias cresceram, não houve racionamento de alegria, mas ainda assim precisava de algo mais.

2003: A São Clemente é a grande campeã do Grupo de Acesso do carnaval carioca. A escola obteve nota máxima em todos os quesitos, somando 180 pontos. O resultado foi contestado pelas concorrentes. No dia do desfile, a São Clemente fez um belo desfile em homenagem a Mangaratiba, trazendo índios antropofágicos na comissão de frente e no abre-alas um Deus Trovão iluminado com néon. Havia ainda o carro das pedras preciosas, que reluzia na avenida, e o carro do tráfico negreiro, que veio com teatralização. Porém, nada comparado aos desfiles de Tuiuti e União da Ilha. Novos tempos, desfile campeão sem conquistar o coração

2004: No ano das reedições, a São Clemente abriu o desfile e também revisitou, não um enredo, mas sua tradição de carnavais bem-humorados, marcados pela crítica política e social, irreverentes, abandonada nos últimos anos. Sob pressão de deputados e senadores, Milton Cunha foi obrigado a mudar na última hora a escultura que mostrava Tio Sam sentado no Congresso como num vaso sanitário no enredo "Boi voador sobre o Recife - Cordel da galhofa nacional" e ainda foi ameaçado de processo por machos magoados e mal-humorados de Pelotas (RS) só porque criou uma fantasia e deu o nome de "Veadinhos de Pelotas". Desviou da crise de identidade gaúcha mudando o nome da fantasia. Virou: "Não dou pelotas para os veadinhos". O símbolo do poder norte-americano estava lá, de calças arriadas, num carro alegórico, amordaço, mas não causou o impacto desejado. Prejudicada pela chuva, a irreverência do enredo, que partiu da primeira cobrança de pedágio do Brasil, por Maurício de Nassau, no Recife, para criticar ferozmente os políticos brasileiros, não foi suficiente para manter a escola de Botafogo no Grupo Especial. O boi voou, a escola caiu e ele aterrissou e ficou o pé em Brasília em pleno governo petista.

2005: Apesar de desfilar para arquibancadas quase vazias, no fim da chuvosa madrugada, a São Clemente emocionou e divertiu quem ficou para ver "Velho é a vovozinha: a São Clemente enrugadinha e gostosinha". A escola entrou na Sapucaí com uma enorme escultura de um preto velho no abre-alas. Ali já disse a que veio. Arrepiou. Da ala das baianinhas (seguida pela ala das baianas, simbolizando o caminho da juventude a maturidade) até o último carro alegórico, onde estavam baluartes do samba, e a grande homenageada, Vó Maria, viúva de Donga, a escola cantou com precisão - ajudada pela segurança da bateria - as glórias da terceira idade. A alegria dos próprios componentes pôde ser vista no fim, já na dispersão. A irreverência e a alegria estão de volta, mas a modernidade chegou na frente da São Clemente meia-idade.

2006: A São Clemente entrou luxuosa e com carros grandes e bem acabados na sua homenagem a dupla Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. Colorida (as fantasias das baianas, bem na frente da escola, eram decoradas com fitas), a agremiação cantou com vibração e alegria. A bateria foi bem-sucedida ao inserir uma bossa de baião no meio do samba. O carro abre-alas, "Pernambuco feito de Glórias", prestou uma homenagem à terra natal que tanto inspirou Luiz Gonzaga. A maioria das alegorias e alas faziam referências à cultura nordestina. Logo atrás do abre-alas, uma ala simulava uma típica festa de quadrilha nordestina. Uma ala lembrou o poder da censura durante o período ditadura. Vestidos de soldados, com direto a capacete e cacetete, os componentes traziam no peito a imagem de um vinil sendo cortado por tesouras. Outro grupo protagonizou uma crítica social - uma das marcas da São Clemente. A ala trazia malas com dinheiro transbordando, lembrando o escândalo do Governo Lula. O Brasil nordestino, sertanejo e simples de Gonzagão, encontrou o Brasil urbano, carioca e malandreado de Gonzaguinha. A São Clemente arrebatou o estandarte de ouro de melhor escola, mas ficou apenas com o vice-campeonato. A São Clemente, sem medo de ser feliz, levantou a poeira, mas ainda não foi dessa vez que soltou o grito de campeã que está atravessado na garganta.

2007: A São Clemente entrou na avenida disposta a acabar com todos os tipos de preconceitos. O enredo ‘Barrados no Baile’ trouxe hippies, gays, nordestinos, funqueiros, black power e todas as tribos sujeitas a qualquer tipo de discriminação se espalharam por suas 1.400 fantasias. Com 2.500 componentes na Avenida, a São Clemente não cometeu deslizes e conquistou o título do Grupo de Acesso A, que lhe deu o direito de voltar ao Grupo Especial em 2008. No 1º Setor, denominado ‘A utopia pós-modernidade’, a escola se baseou na obra do arquiteto espanhol Antônio Gaudi. A comissão de Frente trouxe as torres utilizadas na construção da Catedral da Sagrada Família. No 2º Setor, a São Clemente fez uma grande homenagem aos homossexuais, no qual o carro "Apogeu cor de rosa" foi uma grande boite, tendo no centro um ônibus rosa que lembra o filme "Priscila, a rainha do deserto". Para celebrar a força da cultura negra, a escola abusou dos sons e símbolos originados a partir de seus descendentes como o grafite, o hip hop, o funk, basquete de rua, jongo, etc. Composta por 210 ritmistas, a bateria veio com a fantasia Funk`n lata, em referência ao grupo homônimo de Ivo Meirelles. A dura realidade vivida pelos deficientes físicos e visuais foi mostrada no 4º Setor: "Perante os olhos de Deus, somos todos iguais". Como contraste, foram mostradas as glórias do esporte pára-olímpico brasileiro, que sempre obtém mais medalhas. Sem destaques, a 4ª alegoria teve uma gigantesca escultura chamada "Um ser de luz". No encerramento, a escola promoveu um grande baile onde a São Clemente recebe os representantes de cada minoria. Uma das grandes surpresas foi uma ala que trouxe a dança do minueto feita por mendigos e moradores de rua. Logo atrás, uma ala simbolizou a paz no carnaval ao juntar fantasias dos blocos Bafo da Onça e Cacique de Ramos. Enfim, a São Clemente mostrou, mais uma vez, porque é considerada uma das agremiações mais antenadas do carnaval. Mesmo abordando um tema sério - o preconceito sofrido pelas minorias - ela conseguiu passar uma bela mensagem e fez um belo desfile.


Viviane Castro
2008: De volta ao Grupo Especial, a São Clemente abriu os desfiles com luxo, ao apresentar a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, sob a ótica da mãe do rei d. João 6º, Dona Maria, "a Louca". Para contar essa história, a São Clemente mostrou os fogos de artifício que marcaram o casamento do nobre, cenas da descoberta do Brasil, as loucuras de Maria, mãe de Dom João, além da chegada ao Rio de Janeiro e do crescimento da cidade. A transformista Rogéria foi o grande destaque da comissão de frente como "Dona Maria, A Louca". Antes do abre-alas, passaram 12 grandes cisnes. O menor tapa-sexo usado no Carnaval levou à fama a modelo Viviane Castro . Os 3,5 cm de pano, no entanto, custaram 0,5 ponto à escola. A Comissão de Verificação das Obrigatoriedades Regulamentares da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro entendeu que a passista estava nua, o que é proibido pelo regulamento. A punição piorou suas notas, mas não foi a causa de sua queda para o Grupo de Acesso.

2009: No seu retorno ao Grupo de acesso A, a São Clemente abriu pela segunda vez o desfile, nesse grupo, com a manutenção do carnavalesco Mauro Quintaes, que iria desenvolver um enredo sobre a malandragem com o carnavalesco Wagner Gonçalves, mas a direção da escola resolveu mudar e trouxe Alexandre Louzada, para desenvolver o carnaval ao lado de Mauro Quintaes, o enredo O Beijo Moleque da São Clemente. A escola ficou na 4ª colocação com 238,5 pontos, permanecendo no mesmo grupo em 2010.