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Cunhã

Neco Vieira

Estava vagando,
Quando avistei uma morena,
Uma menina índia,
Só fiquei olhando,
Ela não era grande e nem era pequena,
O seu nome eu ainda não sabia,
Tão doce era seu olhar,
Bonito era o seu balançar,
O seu jeito de andar e rebolar,
Ela fugia de mim,
Como diabo da cruz,
Dizia na minha língua,
O que ninguém traduz,
Fiquei indignado,
Por eu não ser um índio,
Naquela grande aldeia,
E conhecer aquela índia,
Que tanto me provoca,
E me deixa interessado,
A esperar ela parar,
Para um beijo eu lhe dar,
Caminha entre as árvores,
E corta o grande rio,
Só não quero ver pagé,
Que é dono desta grande tribo,
Não é isso que ele quer,
Que ela case com homem branco,
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Morena dos cabelos negros,
Do medo à flor da pele,
Com esperteza de qualquer,
Sei que não sou o que ela quer,
Mas ela vai me desejar,
Dou lhe um espelho,
Minhas roupas luxuosas,
Minha grande embarcação,
Vai também meu coração,
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Sua simplicidade me comove,
Pediu que eu lhe desse o meu bodoque,
Fiquei tão bobo naquela hora,
E lhe pedi em namoro sem duas vezes pensar,
E ela disse: amanhã,
Saiu correndo e eu gritei:
Cunhã, Cunhã, Cunhã, Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Volte, volte pra mim, não se vá,
Deu-me um patuá e disse,
Não me procure mais,
Não venha mais,
Siga o seu domínio,
Você não é se quer um mero índio,
Vá procurar mulher uma branca que te queira,
Pele vermelha já tem índio destinado,
Ainda não sei que índio é esse.
Então para não lhe chatear,
Eu fui embora e antes tentei lhe abraçar,
Com um tapa eu fui coroado,
E com um chute eu fui dispensado,
Ela quis independência,
Fiquei nervoso,
Eu não amo mais a índia,
Fiquei nervoso porque de sua vida eu expulso,
Podia ao menos ter me tratado bem,
Mas cunhã eu lhe digo as coisas não vão ficar assim,
Você não escolheu a mim,
Vou fazer guerra e em você atirar,
De tão nervoso que eu estou,
Sou capaz até de te seqüestrar,
E não duvide, por favor, de tudo que eu posso lhe
mostrar,
Guerreamos até não podermos mais,
Bandeira branca foi o que levantamos,
"Vá seguir a sua vida meu rapaz",
Foram as ultimas palavras que ela me falou.
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Depois de um certo tempo,
Eu li num jornal,
A tal moçoila assumia o posto de mulher,
Até então era uma boa rapariga,
Tão sozinha,
E ela ganhava quando perdia tempo com um homem,
Mas tal cunhã casou-se com um salafrário,
Que riu da minha da minha cara,
Golpe de barriga aplicou no milionário,
Hoje tem uma divida que não se acaba,
Quem riu, então foi eu da cara tal cunhã,
Mas ainda eu a amo,
E meu desejo é que essa mulher melhore amanhã,
Com um filho em suas entranhas,
Ela podia se endireitar,
Mas acabou do jeito que eu previa,
E mais dez filhos ela conseguiu fazer,
E em conseqüência dez homens ela amou,
E depois todos os dez ela odiou,
Todos acham que ela nunca vai melhorar,
Mas eu sei que um dia há de uma luz nela acender,
E essa luz vai lhe dizer:
"Chegou sua hora, o seu tempo acabou,
Tens uma única chance,
Pra pagar os pecados cometidos,
Seguir comigo até o fim,
Vamos cuidar de toda essa criançada,
Elas que vão nos suceder,
O futuro do nosso nome depende unicamente delas,
Vamos fazer de tudo pra esse futuro ser brilhante".
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Cunhã, Cunhã, Cunhã,
Cunhã, Cunhã, Cunhã.

Composição: -





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